Por Carlos Biaosli
Noite de sábado, eu cidadão comum, eleitor, consumidor, contribuinte… Feliz da vida com as prestações que tenho que pagar e com o sorriso da moça do comercial de shampoo que me desperta uma juventude fugaz. Esse sonho de país de classe média que compramos em papel celofane da mediocridade.
Mas ao bem da verdade, o país tem uma história a limpo a passar e a peça Mulheres Vermelhas -qual assisti essa noite- que em síntese trata da luta e da tortura que passaram mulheres contrárias aos regimes de exceção, ajuda-nos a entender nossos anos obscuros de ditadura militar onde familiares não tiveram nem o direito sagrado de enterrar seus filhos assassinados e torturados. E nossa vizinha Argentina nos dando exemplo, quem diria.
Por aqui, nem uma coisa nem outra, nem a condenação de torturadores nefastos, nem o mínimo de podermos saber ao menos a verdade, o que realmente aconteceu a esse país? Inércia tétrica.
Já assisti diversos trabalhos do diretor Gilson Filho, conheço sua linha de conduta e de interpretação e também o fio que lhe move às inquietações, porém difícil é não se surpreender, não corro risco em afirmar que Mulheres Vermelhas é seu ápice. Montagem qual o diretor moldou tudo que lhe cabia com a a experiência de décadas dedicadas ao teatro formando uma miscelânea que me fez reviver o bom teatro, dos melhores que pude presenciar. Brigaghão, assim chamado carinhosamente pelos amigos, não teve medo de trabalhar a interação multimídia, também colocou um texto denso num cenário experimental. Tão pouco economizou talento na luz e na maneira que tratou musicalmente o cerne em cena, tudo com muito encaixe à excelência da interpretação de um elenco de mais de duas dezenas de atores em cena. Um trabalho demais profícuo e árduo, creio. A voz (o maior defeito do teatro atual) desse elenco grandioso sempre esteve uniforme de forma primorosa. Os atores e, sobretudo, as atrizes estiveram magnânimos numa altivez e presença de cena muito raro de se encontrar.
Todavia, o encontro com esse teatro choca e a catarse que sucede em mim é genitora desse sentimento do qual ainda não consegui resolver. Compreendo que algo não só na nossa História ficou mal resolvido, mas em mim também.
Depois dessa experiência humana sinto que algo perdi e que não sei como encontrar. Porque esse trabalho em cena claudica cá em mim, fragilizando eu cidadão comum, eleitor, consumidor, contribuinte… E o sorriso da moça do Shampoo não me é mais suficiente. Mulheres Vermelhas é uma experiência de vida única que não esquecerei jamais.
Texto original em: http://blogdobiasoli.wordpress.com/2011/06/09/mulheres-vermelhas-algo-que-perdi-em-mim/
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