Meus mestres Gilson e Júlio e meus caros amigos do Ribeirão em Cena,
O que eu poderia dizer-lhes, sem o risco da obviedade, sobre o espetáculo - de vida - que vocês me proporcionaram no último sábado à noite? Falar-lhes de meu reencontro com Chico Buarque, João Bosco/ Aldir Blanc e Bertold Brecht? Falar-lhes de meu encantamento ao comungar com o Júlio e com Dom Hélder em Invocação à Mariama? Quiçá gritar-lhes minha emoção incontida ao vivenciar, por intermédio do trabalho/oferta dos queridos amigos atores, as dores de Herzog, Zuzu, Sonia Maria e Stuart Angel, Cidinha e Áurea Moretti? Dizer-lhes como foi terrível reviver meu desprezo para com Filinto Müller, Hitler, Getúlio Vargas, Garrastazu e tantas outras “criaturas” - muitas das quais, aliás, tiveram suas selvagerias anistiadas pelo Congresso Nacional brasileiro e pelo STF? Não. De tudo isto, de todos estes arrebatamentos vocês, amigos, já se ocuparam por intermédio da arte teatral e do sonho – aquele se que torna realidade a cada noite de apresentação, de vivência (digo vivência porque o trabalho por vocês desenvolvido ultrapassa as fronteiras do espetáculo – trata-se de uma celebração da vida a partir de tantas dores, de tantas ausências). Dionísio, nosso deus por vocação, por certo esteve em êxtase ao vislumbrar que a partir de Antígone (sim, a primeira mulher vermelha) desenvolver-se-ia, por um grupo de teatro da pólis ribeiraopretana, uma ode a todos os seres humanos vermelhos (homens e mulheres) cultores do sonho e da liberdade.
Não posso furtar-me, logo de início, a uma consideração bastante óbvia concernente à temática do espetáculo: quantos homens/crianças/mulheres vermelhas ainda hão de perecer a fim de que nós vivenciemos plenamente a fraternidade, a liberdade, a igualdade? Os paralelos traçados pelo espetáculo (que vão desde a Grécia de Antígone, do século V a.C, aos dias de hoje – relembre-se a bandeira do MST encerrando o espetáculo) trazem-nos tal questionamento de forma pungente. Os gritos e as dores de todas aquelas mulheres vermelhas, por certo, não foram em vão: continuam ecoando em nós e fazendo-nos recordar de suas conquistas. Ocorre que, de alguma forma, vivenciamos, ainda, tempos de guerra, tempos cruéis e precisamos estar atentos para que tão-somente as promessas de vida possam florescer... O trabalho do Ribeirão em Cena, magistralmente capitaneado pelo querido Gilson Filho, traz às nossas memórias a luta de tantas mulheres que, circunstanciadas em diversos contextos de repressão e de morte, disseram sim à vida, à liberdade... E, para tanto, pagaram preço valoroso. Fico pensando que a riqueza do trabalho, sob todos os ângulos mirados, reside justamente na crença do Gilson (revelada a nós, espectadores, por intermédio dos atores) nesta mesma possibilidade de vida. E de sonho. Tal crença, frise-se, foi inteiramente vivenciada pelo elenco todo, pela equipe técnica e pelos músicos (que grata surpresa a música ao vivo... músicos excelentes, sintonia radiante com os atores) ... enfim, por todos aqueles que ali trabalharam com devoção. Com fé.
Meus amigos, quero agradecer-lhes tamanha oportunidade de encantamento e de encontro; sentimento, aliás, que vem sendo ratificado a cada nova criação da ONG Ribeirão em Cena. Eu não mais farei referências à nossa cara pólis de maneira desairosa no que concerne ao âmbito cultural: nós temos o Ribeirão em Cena com toda sua proposta absolutamente frutífera de oxigenação da cultura local. Salve! Salve, Dionísio! Salve, Gilson! Salve, Júlio! Salve, Malba, Adriana, Marília e todos o queridos companheiros do Ribeirão em Cena. Salve!
Peço licença a dom Hélder e também valho-me do auxílio de Mariama, Mãe dos homens de todas as raças, de todas as cores, de todos os cantos da Terra. Pede ao teu filho que esta festa não termine aqui, a marcha final vai ser linda de viver. Peço a vocês, queridos amigos, que não parem nunca, é lindo! É lindo de viver! É lindo poder partilhar de um momento como este criado por vocês.
P.S (i) Meus caros, espero que me desculpem por não lhes ter parabenizado/abraçado após o espetáculo... a emoção foi grande. Eu escrevi estas palavras na volta para casa, pleno de Deus e preenchido pela poesia que o labor árduo de vocês fez florescer: meu coração transbordou!
Vanderlei Freiria - Advogado
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